Fica cada vez mais evidente que a circunferência da cintura está ligada à saúde do coração.
Cá entre nós: não é de hoje que os cientistas acham provas de que a largura da cintura é uma informação que, por si só, ajuda a prever o risco de alguém ficar doente e morrer por causa dos mais variados problemas de saúde, principalmente de doenças do coração.¹,²
Isso ficou tão claro que, em 2017, a International Atherosclerosis Society (IAS) e a International Chair on Cardiometabolic Risk (ICCR) resolveram se unir para elaborar um consenso sobre o assunto, juntando nada menos do que 17 dos mais renomados pesquisadores da área da Cardiologia vindos de instituições de dez países diferentes, incluindo o Brasil.
Grave a conclusão desse time espetacular: a “medida do abraço” é tão importante para você observar como anda a sua saúde que, sim, ela poderia ser considerada um sinal vital.3 No linguajar dos médicos, um sinal essencial para checar se o funcionamento básico do organismo vai bem, assim como a temperatura do corpo e a frequência cardíaca.
Talvez você se pergunte: “mas será que esse risco aumentado de adoecer e até de morrer não surgiria só porque a pessoa com uma cintura mais avantajada às vezes também está bem acima do peso?” Parece lógico, mas — surpresa! — não é tão simples assim.
Apesar de, no mundo inteiro, o sobrepeso e a obesidade de fato serem responsáveis por duas em cada três mortes provocadas por infarto4, há indícios de algo muito curioso. É o seguinte: quando você compara duas pessoas com o mesmíssimo IMC, que é o tal índice de massa corporal, aquela que tiver uma medida de circunferência abdominal maior correrá mais risco de desenvolver uma doença do coração.⁵,⁶
Quer saber de mais uma? A humanidade parece estar acumulando mais gordura na barriga de uns tempos para cá, provavelmente por causa de mudanças no padrão alimentar e de todo um pacote de hábitos relacionados ao estilo de vida atual.
Sim, é verdade que o número de pessoas com sobrepeso e obesidade aumentou demais nas últimas décadas, mas, proporcionalmente, o crescimento da circunferência da cintura foi até maior que o do IMC na população de diversos países. E isso — atenção! — independentemente da idade, do sexo biológico e da etnia.⁷⁻⁹ Portanto, o ponteiro da balança vem subindo um bocado, mas sobe menos que a “medida do abraço.”
A gordura concentrada na linha da cintura é preocupante. Para termos uma ideia, ninguém discute que o cigarro é sempre devastador para o peito. Mas, se você olha apenas para os fumantes, sabe quem tem maior risco de o coração, um dia, se dar mal? Aqueles com a circunferência abdominal acima de uma medida saudável.¹⁰
Se você coloca indivíduos com diabetes lado a lado, também é assim: o risco de apresentar uma doença do coração será maior quanto mais gordura estiver acumulada no abdômen. E o que aconteceria se comparássemos pessoas com hipertensão, com os mesmos valores altos de pressão arterial? A mesma coisa!¹¹
Fácil entender: a gordura abdominal não é qualquer uma. Ela libera com facilidade substâncias que causam uma inflamação que a gente não sente, mas que está por todo o corpo. E um organismo que vive inflamado adoece. As artérias, por exemplo, se tornam mais rígidas.³
Essa gordura do abdômen também vai parar nos lugares mais errados — nos rins, no fígado, no pâncreas e, claro, no coração, atrapalhando o bom funcionamento de todos esses órgãos.³
Agora chega de má notícia! O bom é que a ameaça para a saúde cai quando a cintura diminui, ficando na medida máxima de 102 centímetros para os homens e de 88 centímetros para as mulheres.³ E isso é possível. O primeiro passo é ajustar o estilo de vida, principalmente a alimentação e a prática de atividade física. O segundo é igualmente essencial: conversar sobre a “medida do abraço” com um médico.
Por que, pensando no seu coração, essas deveriam ser as medidas máximas de circunferência abdominal?
Ninguém inventou esses números ou tirou essas medidas da cartola assim, do nada. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) define que a cintura saudável para o coração tem até 88 centímetros de circunferência para mulheres e até 102 centímetros para homens.¹² Talvez
você se pergunte: “como chegaram a esses valores?”
Se quer uma pitada de história, em 1985 foi criado, nos Estados Unidos, o Programa Nacional de Educação para o Colesterol, uma iniciativa para entender o motivo de tanta gente morrer do coração e o que poderia ser feito para ensinar os melhores caminhos para a prevenção.
O pessoal desse programa, lá pela década de 1990, olhou para diversos estudos sobre a medida da cintura, que começavam a pipocar aqui e ali, e chegou à mesma conclusão de todo mundo: essa medida era importantíssima para avaliar o risco de um infarto, por exemplo. Talvez até mais valiosa do que prestar atenção apenas no peso.
Afinal, se um atleta sobe na balança, o ponteiro pode parar nas alturas. Só que, nele, o que mais está pesando são os músculos. Ora, o famoso IMC (índice de massa corporal), usado para apontar um quadro de obesidade, é calculado a partir da altura e do peso, que, como você nota, nem sempre é sinal de excesso de gordura no corpo. Portanto, embora o IMC seja bastante útil, ele tem lá suas falhas.
Além disso, entre duas pessoas com o mesmo IMC na faixa de obesidade (acima de 30 kg/m2), uma poderia ter problemas cardíacos muito mais cedo que a outra. O que explicaria a diferença entre elas?
Se você pensou na “medida do abraço”, acertou!⁵,⁶
Com isso na cabeça, os pesquisadores daquele programa americano começaram a cruzar informações, sempre comparando pessoas que tinham IMC idêntico, anotando qual era a circunferência abdominal delas e observando a partir de que medida os problemas do coração começavam a se manifestar.
Esse critério foi logo adotado pelos National Institutes of Health, nos Estados Unidos, pela OMS e pela International Diabetes Federation (IDF)14 na sequência.
Você poderá ouvir por aí que, além de haver uma diferença conforme o sexo biológico, a medida do abraço saudável para o coração poderia ser ligeiramente diferente conforme a etnia e até mesmo a idade. É a pura verdade. Mas confie que os 88 centímetros para mulheres e os 102 centímetros para os homens, em geral, são um bom parâmetro para todos. Tanto que, como já mencionamos, são as medidas adotadas pela OMS.¹²
O que você deve fazer para acertar na medição.
Será que, em casa, você consegue medir o seu abraço com a mesma precisão de um profissional de saúde no consultório? Muitos estudos fizeram essa pergunta, e a conclusão deles, em geral, foi que sim.¹⁵⁻¹⁷A diferença de medida, quando aparece, fica apenas entre 0,8 e 0,9 centímetro, para mais ou para menos, tanto em homens quanto em mulheres.³
Mas a gente entende: às vezes, só isso já é o suficiente para eles ultrapassarem a barreira dos 102 centímetros de circunferência abdominal e elas, a dos 88 centímetros — que são, lembre-se, o limite bom para o nosso coração.
Por isso, para que a sua “medida do abraço” fique exata, aqui vão cinco dicas que podem fazer diferença.
Ora, todo mundo sabe que o abdômen costuma estufar logo após você se alimentar, por mais leve que seja o cardápio. Por isso, a sugestão é dar um tempinho para a digestão e esperar para “medir o seu abraço” no intervalo entre uma refeição e outra. Ou — uma ideia até melhor — deixe para conferir a sua medida quando estiver em jejum, depois de acordar e antes de tomar o seu café da manhã.¹²
A Organização Mundial da Saúde afirma que a medida mais precisa é obtida se você apalpa o último ossinho da costela e, depois, sente onde termina a crista ilíaca, osso que tem a forma de uma crista de galo, na altura da sua bacia, colocando a fita métrica no meio do caminho entre os dois.³ Mas os americanos assumiram que, se você medir bem em cima do umbigo, já estará de bom tamanho.¹² Vamos, então, simplificar!
Fique em pé, de preferência diante do espelho. Os pés não devem ficar muito afastados — no máximo, podem permanecer na mesma distância dos ombros. E acredite: fará diferença se você não distribuir o seu peso entre os dois. Portanto, nada de se jogar mais para a esquerda ou para a direita. Outra coisa: mantenha as costas eretas. Com a postura “caída”, sua cintura irá parecer mais larga do que realmente é.¹⁸
Se você passar a fita pela cintura de um jeito torto, com um lado ficando mais alto que o outro, isso também afetará o resultado.²¹ E não vale contrair o estômago. É o que quase todo mundo faz, ainda que de maneira inconsciente, quando uma fita métrica é passada em volta da barriga. Quem nunca? Só que, aí, a parede muscular do abdômen irá comprimir os órgãos e a gordura junto, “roubando” alguns milímetros.¹²
É o que é recomendado, para a tensão da parede abdominal diminuir e a medida ficar correta. Mas em que momento exato medir? Logo depois de soltar o ar normalmente, na terceira expiração. Isso porque os pulmões cheios também influenciam, fazendo o aposto de murchar a barriga, isto é, aumentado ligeiramente o resultado.¹⁸ E o seu coração só quer saber da verdade, nada mais que a verdade!
1. Pischon T, Boeing H, Hoffmann K, Bergmann M, Schulze MB, Overvad K, van der Schouw YT, Spencer E, Moons KG, Tjønneland A, Halkjaer J, Jensen MK, Stegger J, Clavel-Chapelon F, Boutron-Ruault MC, Chajes V, Linseisen J, Kaaks R, Trichopoulou A, Trichopoulos D, Bamia C, Sieri S, Palli D, Tumino R, Vineis P, Panico S, Peeters PH, May AM, Bueno-de-Mesquita HB, van Duijnhoven FJ, Hallmans G, Weinehall L, Manjer J, Hedblad B, Lund E, Agudo A, Arriola L, Barricarte A, Navarro C, Martinez C, Quirós JR, Key T, Bingham S, Khaw KT, Boffetta P, Jenab M, Ferrari P, Riboli E. General and abdominal adiposity and risk of death in Europe. N Engl J Med. 2008 Nov 13;359(20):2105-20.
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